Editorial
Esboço para uma estratégia geral de implementação de programas de "esportes para todos"

Paulo Franco RosaEditor SPORTS MAGAZINE Lúcio Franco Rosa Editor SPORTS MAGAZINE

Editor SPORTS MAGAZINESPORTSMAGAZINES.NET Network

Palavras-chave: esporte, atividade física, modalidade esportiva, saúde, educação física

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RESUMO

 O objetivo deste artigo é de revisar de forma comparativa aspectos de implementação de programas de divulgação do esporte para a população em geral, os famigerados "sports for all", nascidos no século passado a partir da premissa de que o esporte está aquém do seu objetivo último, qual seja a alta performance, já que se identifica com uma atividade humana primária, como caminhar, caçar, pescar, lutar e assim por diante. Ou seja, em sua progênie, o esporte é atividade física utilitária, de sobrevivência e vital para o ser humano. Ainda assim, separar os conceitos de esporte e atividade física não será mera retórica, mas ajuda a entender a amplitude de alcance das atividades físicas ainda que não sejam esportes em si. E, ao mesmo tempo é importante perceber como um é estímulo para o outro: O esporte é responsável pela popularização da atividade física, que por sua vez estimula o desenvolvimento desportivo. A partir desse pressuposto vamos entender como evoluiu um movimento considerado utópico pelo barão Pierre de Coubertin - criador dos jogos olímpicos modernos - de disseminação do esporte para todas as pessoas do mundo e de como é possível a aplicação de políticas de implementação e manutenção destes ideais a partir da avaliação e comparação metodológica histórica de iniciativas de países selecionados cronologicamente.

INTRODUÇÃO

"Esporte para todos" é uma expressão com alcance difuso e desmedido. Sabemos que o barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna quando "cunhou" o termo pretendia referir-se a importância de que milhares de indivíduos pudessem praticar esportes, por isso ao mesmo tempo ele considerou sua ideia uma utopia. Afinal quando tratamos de todos, devemos incluir não apenas os atletas olímpicos, mas os atletas não olímpicos, os atletas amadores, os aspirantes a desportistas, os não-atletas, as crianças, os idosos, os deficientes e assim por diante; e até mesmo os avessos às atividades físicas. No último século muita movimentação foi engendrada nesta direção e "é possível admitir que ao longo dos anos o esporte tenha se tornado parte constante da vida de milhões de indivíduos" (1), já que hoje um em cada seis habitantes da Terra pratica algum tipo de atividade física ou desporto (1).

As ideias do barão geraram frutos e o surgimento do chamado "Movimento do Esporte para Todos" constituiu-se numa das mais efetivas manifestações da Educação Física e do esporte no século XX; e desde que foi sugerido antes mesmo da Segunda Guerra Mundial ou mais claramente formatado num movimento norueguês dos anos 60 (2) ele se espalhou pelo mundo através de diversas iniciativas e manifestações públicas, privadas ou não governamentais, se constituindo num fenômeno universal.

Em 1968, em uma reunião em Bruges, o Council of Europe adotou a ideia do direito ao esporte para todos, estabelecendo as bases para uma abordagem democrática às atividades esportivas modernas, pela qual todos, independentemente da idade, cor ou capacidade, teriam a oportunidade de participar; e em 1975, em Bruxelas, a carta denominada European Sports Charter foi sancionada pela 1ª Conferência de Ministros Europeus responsáveis pelo Esporte (3,4,5). Posteriormente a UNESCO avalizaria o movimento.

" O primeiro sentido que o Movimento Esporte para Todos recebeu foi o da democratização da atividade física/ prática esportiva. O Esporte Para Todos confrontava com o Esporte de Rendimento que era destinado aos talentos e pessoas com biótipos certos. Os propósitos deste primeiro sentido do Esporte Para Todos se consumaram quando a Carta Internacional de Educação Física e Esporte da UNESCO (1979) estabeleceu o Direito de todas as pessoas às atividades físicas e práticas esportivas. Foi neste primeiro sentido que o Esporte Para Todos difundiu-se entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos." (2)

O rápido crescimento deste movimento remete diretamente às características do próprio esporte, uma das atividades sociopolítico-econômicas mais populares do mundo. O esporte apela para a emoção do ser humano, "é inspirador para pessoas, autoridades públicas e comunidades" (6) evocando comoção, felicidade, orgulho e prestígio a atletas, times e fãs.

PORQUE INVESTIR NO ESPORTE/ATIVIDADE FÍSICA

É preciso aceitar que o esporte para todos - EPT cada vez mais se revela uma necessidade premente da humanidade. O comportamento não saudável da população está diretamente ligado ao nível de gastos com saúde pública das nações. A Organização Mundial da Saúde - OMS recomenda atividade física de intensidade moderada a vigorosa diariamente, afinal os países desenvolvidos da América do Norte e da Europa, e também economias emergentes como a China, estão enfrentando problemas de obesidade generalizada entre os cidadãos, especialmente entre as crianças (7). Ao mesmo tempo, a população idosa crescente (em 2015, a população mundial de indivíduos com 65 anos ou mais era de 617 milhões) é outra preocupação já que "os idosos precisam de apoio para participar de clubes esportivos, que podem promover sua atividade física e saúde" (8). É necessário explorar maneiras de incentivar os idosos a participar de atividades físicas, pois esta "pode reduzir o declínio da função física que ocorre com o envelhecimento" (8).

A participação em atividades físicas pode melhorar a saúde física, mental e socioemocional de pessoas de qualquer idade com alto nível de aceitação pela sociedade, e o principal, gerando o mesmo grau de satisfação de quem pratica esportes competitivos. Um estudo (9) mostrou que praticantes que não estabeleceram uma meta de resultados esportivos (praticaram atividade física por lazer, prazer ou diversão) experimentaram nível equivalente de satisfação aos atletas focados numa meta esportiva. Ou seja, ainda que as motivações sejam diferentes, o resultado é positivo. De fato, Afsanepurak et. all (10) demonstraram que as principais motivações intrínsecas e extrínsecas para a participação em programas de EPT, entre outras, incluem energia social, condicionamento físico, entretenimento, além da motivação por competir. Desta maneira, é possível inferir que a promoção do esporte/atividade física para todos pode atingir sucesso, já que consegue ir de encontro aos anseios não necessariamente competitivos dos praticantes.

Segundo a International Workers and Amateurs in Sports Confederation, organização sediada em Vienna que reúne entidades desportivas em toda a Europa, o conceito de EPT incentiva a atividade física para pessoas de todas as idades, gêneros, habilidades e origens (11). O objetivo deles através das atividades de EPT é melhorar a saúde e o bem-estar de toda a comunidade e oportunizar a evolução atlética de seus membros mesmo que sejam amadores. Assim, como esta, existem diversas entidades que apoiam iniciativas de EPT de várias maneiras, como a OMS, A UNESCO, a World Athletics, a Laureus, a Good Sports, a Agence Française de Développement, etc. Todas oferecem material de estudo acessível sobre o assunto através de suas redes de comunicação oficiais.

Resumindo, investir na facilitação do acesso ao esporte e atividade física faz parte da Agenda de relevantes entidades, já que traz benefícios para a sociedade como um todo e para as finanças dos países em função da economia em gastos com saúde; e o formato EPT pode se revelar numa fórmula pronta para engendrar ações de incentivo ao esporte/atividade física com sucesso previsível. Todavia, esta implementação dependerá de superar algumas etapas críticas como educação, adequação a políticas públicas, verbas para execução e avaliação de sustentabilidade, entre outras.

OS PROBLEMAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS DE ESPORTES PARA TODOS

O primeiro obstáculo ao EPT vem da formação dos indivíduos, pois apesar de a educação física escolar ter sido identificada como uma ferramenta crítica de saúde pública para aumentar a atividade física entre os jovens, isto infelizmente nem sempre acontece. Estudo realizado na Califórnia constatou que a atividade física praticada nas escolas de ensino fundamental é mínima e pode contribuir pouco para a saúde geral dos alunos (12). A pesquisa vai de encontro as estatísticas da OMS (2022) que atestam que 80% dos adolescentes não atingem os níveis de atividade física recomendados. Torna-se mais difícil para um programa de EPT chamar as pessoas à atividade física, se não receberam essa formação em idade escolar.

O segundo ponto crítico na implementação do EPT diz respeito a sensibilização das autoridades políticas para a relevância dos projetos. Alguns (13) acreditam que é preciso demonstrar cientificamente o efeito relevante do valor percebido do esporte na predição do bem-estar, através de evidências, para gestores/autoridades de políticas públicas de esporte e para gerentes de programas de atividade física e desenvolvimento esportivo. Esta constatação é importante, pois tanto maior a crença de gestores e população nos benefícios da atividade física, tanto maior a chance de um projeto de EPT vingar, arregimentando adeptos.

Entretanto, aqui encontramos nova área de questionamento que esbarra no ponto de equilíbrio entre prover esporte para todos e/ou focar na competição, onde o EPT encontra barreiras porque outras convenções, como a competitiva, dominam as organizações desportivas. O esporte de elite atrai mídia, grande atenção pública e consequentemente votos para políticos que direcionam verbas para estes eventos. Os esportes de massa ou ações de longo prazo não trazem medalhas de ouro com alta visibilidade em tempo recorde, portanto não são prioridade dos políticos (7). Um estudo escandinavo (14) percebeu que os subsídios esportivos do Estado tradicionalmente vão para organizações monopolistas. O artigo discute as limitações das possibilidades de alcançar o EPT por meio dos arranjos institucionais estabelecidos, e sugere que é necessária uma proposta que desafie estas estruturas hegemônicas e respectivas relações institucionais.

Apesar destas constatações de que o esporte competitivo pode receber mais atenção e financiamento dos gestores públicos, vamos focar numa questão crítica para o esporte como um todo, com a apuração de que o investimento geral em esporte ou atividade física tende a ficar comprometido pela imagem, eventualmente ruim dos legados que ficam após a realização de grandes eventos. Este é outro nó na garganta do EPT: o legado dos megaeventos esportivos. A esperança de que a realização destes certames, como uma olimpíada ou uma paraolimpíada possa deixar um legado social positivo, com o aumento da participação desportiva e da atividade física seria de grande ajuda na direção de promover ações de EPT. Sugere-se que "a realização de megaeventos pode influenciar positivamente a participação desportiva (6)" e dar resposta a problemas de saúde em geral da sociedade. Todavia, "para atingir esses legados, o design, a entrega e a promoção do mega evento devem envolver estratégias multiníveis em políticas, programas, atividades, intervenções, instalações, ambientes" (15), etc. Tracey J. Dickson et. al destacam que para alcançar resultados reais e sustentáveis as políticas macro precisam ser operacionalizadas concomitantemente ao planejamento e ações locais e regionais (micro) no que pode ser chamado de cenário mútuo ou de co-alavancagem (15), e só dessa forma os legados dos megaeventos desportivos vão desembocar em esperanças para o EPT.

Infelizmente, ocorre muitas vezes que estes megaeventos não têm bom planejamento relativo à sustentabilidade e são concluídos, diferindo um futuro incerto. E por esta razão, fechando esta seção, é importante lembrar as questões relativas a sustentabilidade e acessibilidade, que não vamos denominar problemas diretos para projetos de EPT, mas que devem ser seriamente confrontadas por qualquer iniciativa de EPT. Ainda que os projetos não sejam necessariamente eventos esportivos, estes podem pautar ou ser pautados por este tipo de atividade, também, e todo investimento apoiado em sustentabilidade/acessibilidade tem mais chances de prosperar a médio e longo prazo causando baixo impacto nos aspectos culturais, sociais e ambientais do local em que se aplica. As iniciativas esportivas, bem como as organizações envolvidas, sejam apoiadores, patrocinadores ou o próprio governo têm uma excelente oportunidade de influenciar os estilos de vida de milhares de pessoas, definindo padrões e se baseando em estratégias de sustentabilidade/acessibilidade que considerem aspectos ecológicos, sociais e econômicos (6), o que por fim, vai gerar maior adesão aos projetos de EPT.

METODOLOGIA

Com o objetivo de sugerir - com base em análise de casos (método comparativo) - caminhos para implementação de programas de divulgação do esporte para a população em geral, estudamos a gênese dos mesmos, a partir da história de iniciativas de alguns países (a pesquisa científica voltada para estudo destes projetos é escassa) e aplicamos o conteúdo discutido nos tópicos anteriores visando entender como se dá a concepção dos programas de EPT.

Separando iniciativas de EPT de eventos esportivos

Vamos partir da premissa de que o esporte - genericamente proferindo - está aquém do seu objetivo último, qual seja a alta performance, já que advém de uma atividade humana primária, como caminhar, caçar, pescar, lutar e assim por diante. Ou seja, em sua progênie, o esporte foi atividade física utilitária, de sobrevivência e vital para o ser humano. Inclusive, é importante notar que a intenção dos primeiros EPTs foi de oferecer orientação esportiva, oportunizando aos participantes adquirir habilidades e competências no esporte (17). Assim sendo, separar os conceitos de esporte e atividade física (18) não será mera retórica, mas ajuda a entender a amplitude de alcance das atividades físicas ainda que não sejam esportes em si. E, ao mesmo tempo é importante perceber como um é estímulo para o outro: O esporte é responsável pela popularização da atividade física, que por sua vez estimula o desenvolvimento desportivo.

Estruturação dos projetos de EPT

As iniciativas de EPT (assim como os eventos esportivos) dependem de financiamento, condução e gerência basicamente de três tipos de entidades, quais sejam, os organismos internacionais (a), os órgãos governamentais (b), os organismos não governamentais (c) e as organizações esportivas (d); apresentadas a seguir:

  • a) Os organismos internacionais são entidades como ONU, Unesco, Laureus Sport for Good, AFD e outras que ajudam com seus próprios fundos a promover programas de EPT dentro dos países e é possível apresentar projetos a estas entidades solicitando financiamento;
  • b) Governos municipais, estaduais ou federais desenvolvem estratégias relacionadas de promoção do desporto e atividade física para a população, com fundos públicos do orçamento regular; algumas receitas são geradas por meio de empresas públicas de jogos de loterias;
  • c) Os órgãos diretivos do esporte como ligas, federações, confederações que gerem uma ou mais disciplinas esportivas em um país e distribuem fundos públicos para clubes esportivos regionais e locais para financiar atividades esportivas concretas, também são pagos para implementar políticas esportivas de massa e mantêm uma parte do financiamento público para seus próprios propósitos administrativos;
  • d) Entidades esportivas abrangem clubes esportivos locais e regionais e centros comunitários. Clubes esportivos regionais e locais são a espinha dorsal do movimento esportivo europeu (7),por exemplo, já que seu papel é implementar políticas de esporte para todos executando programas esportivos concretos in loco.

Esta é uma visão geral bastante concisa e que sofre pequenas variações de um país para o outro, mas em suma exibe o corpo das entidades que operam os programas de EPT. Poderíamos comentar sobre um quarto tipo de organização que realiza espetáculos esportivos, menos focada em EPT, geralmente com fins lucrativos (e); e finalmente sobre os acordos bastante comuns de compartilhamento de trabalho entre os vários tipos de organização (b,c, e eventualmente e) onde elaboram um projeto multi-administrado (f).

DISCUSSÃO

Exemplos práticos e históricos, como sugestões de implementação do EPT

O primeiro exemplo será do país considerado o pioneiro do Movimento Esporte para Todos na década de 1960 (1,2), a Noruega. O formato escolhido por Per Hauge Moe, dirigente esportivo que assumiu aquele projeto de EPT à época foi de campanha, um conceito que reúne publicidade e mídia de massa para atrair o maior número de pessoas aos eventos do EPT. A campanha propagava que as práticas esportivas deveriam ser acessíveis a todos, mesmo aos não atletas. A atividade física estava sendo democratizada com um sentido de inclusão social (2). Este modelo se consagrou e se espalhou pelo mundo. Têm-se notícia de que na mesma década eram realizados programas do gênero em países asiáticos. Na Coreia do Sul, por exemplo, o Plano Nacional de Promoção Esportiva já está na quinta geração de sua política de EPT (18), iniciada em 1962 e que pode ser encaixada na estruturação de formato "f", de acordo com a denominação da nossa pesquisa, já que esforços multilaterais têm sido operados para aumentar a taxa de participação, com manutenção e expansão de instalações, alocação de instrutores e disseminação de programas. O formato "f" costuma obter alto índice de aderência aos projetos devido a centralização administrativa necessária para gerir ações envolvendo órgãos de vários escalões da hierarquia desportiva. Todavia, na China, a partir de 1995 com a promulgação da Lei do Esporte ocorre uma descentralização na condução de políticas de EPT e os governos locais ganham autoridade para criar as suas próprias regras para gerir os desportos e organizar eventos, ao mesmo tempo apoiando esportes nacionais populares.

Voltando a gerência centralizadora podemos citar, também, os projetos de EPT ocorridos em ditaduras sul-americanas nos anos 70, com destaque para o Brasil. A primeira campanha de EPT do Brasil surgiu em 1973, eivada pelo sucesso do país na Copa do Mundo de Futebol de 1970, e ainda que trouxesse mensagens subliminares relativas ao militarismo, acabou por ser responsável pela ampliação da atividade física nas escolas nos anos que se seguiram. O projeto, assim como o da Coreia, fazia parte de um grande plano nacional, o Plano Nacional de Educação Física e Desportos , sob responsabilidade do Ministério da Educação e Cultura e Governo Federal e, "tinha como objetivos principais aprimorar a aptidão física da população, elevar o nível do desporto em todas as áreas, intensificando a sua prática às massas" (19). Para a execução do projeto foi utilizada ampla logística, incluindo o Movimento Brasileiro de Alfabetização de jovens e adultos - MOBRAL, a mídia (tv Globo) e a iniciativa privada. Foi um programa bem estruturado dividindo a prática esportiva em três áreas de atividade, a estudantil (Educação Física), a esportiva (treinamento e competições) e a terceira área que incluía as atividades físicas abertas, não necessariamente desportivas, destinadas a todas as camadas da população indistintamente.

Ao citar a campanha brasileira dos anos 70, já naquela época surge um elemento importante na implementação de organizações esportivas de EPT: a figura do voluntário. É sabido que o financiamento de projetos populares e de massificação e até mesmo os grandes eventos esportivos nem sempre obtém todos os recursos de que realmente necessita e o voluntariado é fundamental. Talvez sem este elemento até uma olimpíada poderia fracassar. Documento de uma campanha de EPT brasileira em 1977, descrevia o voluntário que se desejava naqueles tempos:

" O voluntário esportivo é o real agente da campanha, seja como funcionário da prefeitura (não necessariamente especialista em atividades esportivas e recreativas, mas sobretudo possuidor de personalidade voltada para promoções e organização de multidões), seja como membro de entidade filiada de qualquer tipo, ou como simples cidadão interessado em trabalhar pelo esporte..." (19)

Podemos afirmar que foi graças ao apoio de voluntários que expressivos programas de EPT evoluíram e tem se apoiado. Já na Grécia no final dos anos 70 e principalmente nos anos 80 os programas eram organizados principalmente por comitês de voluntários ou servidores públicos nomeados pela prefeitura local (20). Assim, vamos analisar a estrutura dos primeiros programas gregos de EPT, responsáveis por elevar a participação esportiva da população de 3,6% em 1984, para 7% em 1988 (20), realçando que eram programas voltados para esporte e não recreação. Os projetos eram implantados pelo Ministério da Cultura através de sua Secretaria Geral de Esportes, onde especialistas em gestão esportiva desenhavam as base do programa de EPT. Eram denominados "Esporte para Todos", "Exercício para Todos", "Esportes Públicos de Massa" ou "Esportes de Massa". Posteriormente, a organização local poderia ficar a cargo de prefeituras, órgãos comunitários, escolas, entre outros que eram responsáveis por contratação de um significativo número de líderes de atividades, compra de equipamentos, organização de papelada formal (como relatórios, requerimentos, orçamentos, arquivamento e folhas de pagamento), promoção de atividades e acerto de espaço para os programas em nível local. O que vamos perceber é que o voluntariado ajuda a baixar os custos, que poderiam se tornar uma limitação importante, para a realização de eventos que reúnem grande número de participantes. Apesar da relevante importância do voluntariado, ocorreu na Grécia uma espécie de desvio nesse sentido e as ações de EPT hoje são operadas em sua maioria por cerca de 70% de voluntários (7), que em geral não são profissionais especializados, o que acabou por prejudicar a qualidade dos programas.

Outro ponto significativo é que o EPT precisa focar em quantidade, massificação. Um ponto crucial dos projetos de EPT diz respeito a coletivização do ideal. Tomemos o exemplo do Chipre, que iniciou sua saga no “sports for all” no final dos anos 60, e como tantas outras nações focada na noção de esporte, não necessariamente atividade física. Este enfoque é importante, pois engendra os primeiros passos na direção de um programa não individualizado, já que atividade esportiva prevê a participação em equipes organizadas. Ou seja, quando tratamos de EPT, a meta deve ser massiva, visando comunidades e grupos. Hoje o Chipre entende que "é importante que os governos promovam esportes e atividade física não apenas para indivíduos, mas também para as comunidades", e continua... "no Chipre, a vasta história do programa Esportes para Todos estabeleceu a base para o que o esporte é hoje e garante que o esporte seja acessível a todos os cidadãos." (17). Em 2007 o EPT cipriota consistia de uma variedade de mini programas voltados para grupos específicos: "Exercícios Físicos", "Natação Infantil', "Educação", "Mulheres e Homens", "Idosos", "Pessoas com Necessidades Especiais".

Mas mirar em programas específicos muitas vezes requer a descentralização da gerência dos projetos de EPT, e por essa razão hoje é mais comum encontrar iniciativas geridas separadamente por órgãos governamentais ou não governamentais, ou entidades desportivas especializadas em modalidades e atividades físicas e de saúde (b, c ou d, separadamente). Na Alemanha, por exemplo, 16 Estados são responsáveis pela promoção de esportes de massa, enquanto o governo federal apoia e financia somente esportes de elite competitivos; resultando em ações de EPT totalmente descentralizadas, encampadas por agências esportivas públicas, clubes esportivos sem fins lucrativos ou clubes esportivos locais (7).

Na Inglaterra o sistema também é totalmente descentralizado, mas tem passado por dificuldades, devido ao baixo investimento do governo central. As autoridades locais são responsáveis por todas as iniciativas de EPT, e ainda por financiar, fornecer e manter os serviços de esporte e recreação como parques, piscinas públicas e instalações esportivas cobertas. As entidades acabam recorrendo ao apoio da iniciativa privada, mas também a terceirização de serviços. Um estudo citado (7) relatou que apenas metade das autoridades tinham pessoal dedicado ao EPT; e cerca de uma terça parte não tinha sequer uma unidade de EPT. Os programas de EPT, ainda que descentralizados parecem pedir por uma fiscalização ou apoio governamental relativamente centralizado, já que não são iniciativas que geram retorno financeiro ou político. "Gerir colaborações entre diferentes organizações desportivas continua, portanto, a ser uma questão crítica da política desportiva de massas na Inglaterra (7)". Já na Escócia, que tem administração esportiva semelhante encontrou-se um caminho para solucionar esta questão, pois o órgão diretivo central, o Sport Scotland, têm escritórios regionais, com a missão explícita de fazer a ponte com os conselhos locais através de um fórum estratégico no nível da autoridade local.

O foco atual do EPT

Na atualidade muitos programas de EPT estão voltados para a questão do auxílio humanitário a populações em desvantagem social. Na França este assunto é relevante para as autoridades e o próprio governo se encarrega de gerir programas que garantam o acesso equitativo as atividades desportivas através de políticas públicas que afetam milhões de pessoas. A entidade francesa Alda Europe, por exemplo, estruturada nos níveis "a" e "b" organiza um projeto denominado "Sports 4 All" visando incentivar a inclusão social e a diversidade no esporte:

" O principal objetivo do projeto é promover e reforçar a diversidade e a inclusão, proporcionando igualdade de oportunidades de acesso ao esporte para jovens, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade social e pobreza educacional. Além disso, a prioridade específica do projeto é promover a educação por meio do esporte" (21)

O estudo (1) já citado do prof. Lamartine Pereira Da Costa, enfocando iniciativas de EPT em mais de 30 países constatou que está ficando cada vez mais nítida a migração do nacional para o local, do público para o individual, do lazer para a saúde e de grupos-alvo para os não participantes.

Mas, este caminho não anula o anterior, e na maioria dos aspectos soma. De fato, são adaptações que merecem ser consideradas em estratégias de implementação de projetos de EPT, e isto independe da forma de gerenciamento, seja "a", "b", "c", "d", "e" ou "f".

Finalizando, e como sugestão a título de curiosidade, a tabela ilustra um organograma básico para projetos de EPT.


DIRETORIA PLANEJAMENTO
GESTÃO
FINANCEIRO RH
COORDENAÇÃO LOCAL
COORDENADORES
EQUIPE TÉCNICA
VOLUNTÁRIOS

Tabela. Esboço resumido de organograma para o projeto de EPT.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resumindo, a atividade física, ainda que considerada - na forma de esporte - um direito social pela ONU (10) e de ser reconhecidamente uma necessidade humana, está passível de ser relegada a segundo plano pela grande maioria da população do mundo; e por este motivo são necessárias iniciativas que removam as pessoas do sedentarismo, dentre estas, se destacam os programas de EPT. "Eles geraram uma síntese que é representada pela associação de lazer e saúde com o acesso ao esporte" (22) e sua efetivação é de alta complexidade. Por este motivo elaboramos este esboço para uma estratégia geral da implementação de programas de esportes para todos.

Nossa pesquisa, em suma esclarece que o comportamento não saudável e sedentário da população está diretamente ligado ao nível de gastos com saúde pública das nações e algo precisa ser feito, assim investir na facilitação do acesso a atividade física traz benefícios para toda a sociedade ao gerar economia nos sistemas de saúde nacionais e internacionais. Uma solução para o problema pode ser a implantação de programas de EPT, uma fórmula pronta para movimentos de incentivo ao esporte/atividade física com significativa probabilidade de sucesso, desde que sejam superados alguns problemas como investimentos em formação escolar voltada para a Educação Física; sensibilização das autoridades políticas para a relevância dos projetos; superação do preconceito contra o esporte de massa x esporte olímpico (alto rendimento) através da elaboração de propostas que desafiem as estruturas hegemônicas do desporto; enfrentamento das questões relativas a sustentabilidade e acessibilidade.

A partir deste entendimento, a estratégia para implementação baseia-se no estudo de casos a fim de comparar a história da iniciativa de alguns países selecionados a partir de cronologia e avaliar formatos de aplicação dos programas de EPT entendendo sua estruturação de gerenciamento e financiamento, que dividimos em 6 tipos diferentes; baseados em (a) organismos internacionais, (b) órgãos governamentais, (c) organismos não governamentais, (d) organizações esportivas, (e) entidades privadas com fins lucrativos e (f) as multi-gerenciadas. Os exemplos práticos abrangem países do mundo todo durante várias décadas, revelando a relevância histórica dos programas desde os anos 40 até os dias atuais; e estudar detalhadamente cada caso aqui sugerido permitirá esboçar uma possível ação estratégica baseada em metodologia comparativa.

REFERÊNCIAS

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BIBLIOGRAFIA

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